Novo Acordo ortográfico?
Mudar a mudança? Você é a favor ou contra? Conheça a nova proposta de simplificação da língua
portuguesa e deixe um comentário a respeito.
Quem tem medo de mudar a mudança?
Conservadores podem
perder oportunidade única de simplificação ortográfica
Por Everardo Leitão
Quem tem
medo de mudar a mudança? A elite (sic). Pronto, falei. Não queria o
mico da palavrinha datada, mas não tive escolha: a elite linguística não quer
nem saber de simplificar o português. Um pouco de unificação ainda vá lá, desde
que com regras desregradas e muitas, muitas exceções, para defender bem
defendida a reserva de mercado dos conhecedores de inutilidades. Mas
simplificação de verdade, nem pensar. Por isso, não concordam em alterar o
acordo troncho que nos divide.
O acordo
ortográfico de 1990 tinha o objetivo de unificar a ortografia. Estamos vendo a
dificuldade de colocá-lo em uso. Outros países relutam em implantar o assinado,
e nós implantamos o não acordado, porque nossa Academia Brasileira de Letras
inventou e mudou regras. Só os guardiões oficiais do acordo dizem que está tudo
bem. Os que vivem no lado pé no chão da realidade têm mais é de estar céticos
quanto à vigência plena. Quer dizer, é boa hora para avançar de verdade nas
mudanças.
Sabemos
que simplificar não estava no projeto. Foi um erro - já que vamos
mudar, aproveitemos para buscar: economia: diminuição de horas inúteis das
aulas de ortografia, assunto que ninguém consegue dominar hoje; inclusão
social: aumento
do número dos que escrevem o português que abre portas no mercado.
Os
conservadores vivem desfiando, porém, um sem-número de argumentos falsos para
fugir da simplificação.
Dizem que
é impossível ter ortografia de base fônica. Balela. Para começar, ninguém que
conheça essa velha discussão defende escrever como se fala. O que se diz é que
é possível sim avançar com um mínimo de racionalidade para eliminar confusões
evitáveis.
Típico de
quem pensa ter monopólio da inteligência, os tradicionalistas tratam quem
defende racionalidade como ingênuo sem ideia do tamanho e da complexidade da
tarefa. Mas qual seria o pecado de unificar a escrita do fonema /zê/ com : "prezado",
"ezame" e "avizo"? É um exemplo do que se pode avançar sem
problema de variação de pronúncia. Caso do hífen, que pode até simplesmente
acabar. Por que não "entregarlhe", "Grã Bretanha",
"antiidiotice", "cor de rosa", "superhomem", a
exemplo de outros idiomas?
Mudemos
só o que não leve a uma guerra de secessão, e já estará de ótimo tamanho.
Fala
Outra
falácia: ortografia não é para representar fala. É sim. Aliás, é sua razão de
ser. Não é à toa que escrita vem depois de fala na história das línguas. Só
deve é estar a salvo das variações de pronúncia para garantir a unidade
necessária à comunicação.
A
etimologia também não é justificativa para impedir que se facilite a vida do
usuário, que não conhece origem de palavra nem precisa conhecer. Guiar-se por
ela na escrita é um tabu que deve ser quebrado. Isso não tira importância do
estudo etimológico. Apenas acaba com uma tirania que separa a língua do
legítimo dono.
Por fim,
o argumento econômico. Foi gasto muito dinheiro na adaptação às regras sem
lógica do acordo. É muito, mas não chega nem perto do desperdício de manter uma
língua que ninguém sabe escrever, ainda que torrados todo ano milhões
(bilhões?) em aulas inúteis sobre o inaprendível: hífen e uso de
s/x/z/sc/c/ç/ss/g/j. Não mexer aí é, isso sim, continuar rasgando dinheiro para
sempre.
E o ganho
mais importante nem é o dos reais dos orçamentos - é o de mais usuários com
domínio da escrita do português dos melhores salários, é a possível
universalização desse domínio.
O
problema é que os doutores da língua não leem nem ouvem o que se diz agora
sobre o assunto. Ficam repetindo contra-argumentos estereotipados como se ainda
conversassem com inocentes de séculos passados. É preciso que alguém avise que
o debate mudou.
Desonestamente,
oficialistas tentam fazer crer que defender revisão é retroceder. Ao contrário,
o que se quer é avançar e mudar ainda mais. Quem quer segurar a modernização
factível são eles.
Marias Antonietas
Quando se
começou a questionar o acordo, o apoio público dos acadêmicos ao debate foi
quase nulo. Poucos quiseram pegar no pesado trabalho político de despertar
consciência para a rediscussão. Foi só o Senado criar um grupo para coordenar o
debate, no entanto, e o que tem de gente fina reclamando ser ouvida não é
brincadeira. Ótimo. Que falem também. Boa pergunta: por que estavam calados se
o debate é público? Faltou convite em papel timbrado?
Democratas
do pensamento linguístico único não querem facilitar a escrita. Já se puseram
contra rever o acordo. Não que discordem de alguma sugestão de mudança - não
querem nem discutir. Querem que tudo fique como está, porque assim a gentalha
continua longe, falando e escrevendo - quando muito - sua variaçãozinha de
periferia.
Enquanto
isso, o doutor do falso respeito à diversidade pode continuar olhando de
Versalhes para baixo, achando lindo o português que eles lá falam e escrevem,
mas sem tolerar a heresia de um nois vai na boca e no texto do próprio filho.
Então, qualquer tentativa de facilitar a vida da plebe rude só pode é mesmo ser
rechaçada sob as mais diversas desculpas. Falta pão? Que comam brioche.
Dificuldade
Por isso
é um erro deixar especialista decidir. É também falácia que o processo deva ser
dirigido por especialista. Técnico é para opinar, como autor de parecer, que
propõe caminho para quem decide. O processo é sábio, porque assim fica
controlada a visão estreita e autocentrada do experto. Decisão sobre o que implantar
deve ser do patrão usuário, representado no caso pelo legislativo dos países
lusófonos.
Façamos
igual com a ortografia. O especialista - linguista, etimologista, gramático,
filólogo ou operário professor - propõe e busca convencer o usuário, esse leigo
em ciência mas doutor em prática. Quem tiver maior poder persuasivo emplaca a
proposta.
Não tenho
pronto o pacote do que mudar, mas creio ter o como: discussão aberta, com
prazo, e decisão a cargo de representantes dos parlamentos.
Deixem a
decisão para especialista e vamos acabar do jeito que começamos: desunidos,
confusos, mas com regras calcadas em erudição de quinta. Sem contar mortos e
feridos na luta por vistosas sinecuras.
In: Revista Língua Portuguesa, edição 109, Novembro 2014 http://revistalingua.uol.com.br/textos/109/quem-tem-medo-de-mudar-a-mudanca-330451-1.asp
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