quarta-feira, 10 de abril de 2013

3º E.M. - FOTOGRAFIA E CRÔNICA

"Nas fotos preocupadas em registrar o instante, sua porção de eternidade.” Boris Kossoy, sociólogo e fotógrafo

Uma fotografia dá uma crônica?

Após acompanhar o drama dos moradores da cracolândia, na Luz, e as primeiras internações involuntárias, a turma do 3ºEM analisou e escolheu fotos jornalísticas que inspiraram a produção de crônicas narrativas e crônicas argumentativas.

Confira aqui 5 dessas crônicas e as fotos que as inspiraram!


Rua Cheia de Vazio - Ana Julia Campacci Elias

Rua Helvétia, após a desocupação da Luz, em 2011
Olho do céu para o asfalto, do asfalto para o céu, notando sua cor triste, sem vida. O céu sem estrelas, enquanto a rua cheia, cheia de medo, cheia de solidão. Cheia de vazio. As luzes dos postes iluminando o pouco que resta da noite, deixando o silencio se espalhar. 

Eu penso no meu trabalho, o que eu estou fazendo aqui? Valeu a pena entrar na faculdade de Direito, passar no concurso público, treinar para me tornar a melhor policial, mas ao mesmo tempo ter que, neste momento, conviver com essa realidade triste e insana? Meu parceiro. Meu parceiro de rua, de amizade, de vida, se foi. Se foi e eu que aqui. Eu aqui apenas olhando o que foi deixado para trás em nossa missão. Na hora de tirar todos daquela escuridão da Luz, um simples tijolo caiu e com esse o resto. O cortiço desabou sobre sua cabeça, do meu parceiro, meu marido. Assistir àquela tragédia foi a pior situação de minha vida. eu teria me jogado no lugar dele.

E aqui estou eu, trabalhando no dia seguinte de sua miserável morte. Não tiveram nem piedade ou dó, ou seja la o que for. Queria pegar aquele tijolo e jogar neles, maldito tijolo!Calma, respira. Olho novamente a rua vazia, a iluminação vindo dos postes e penso nas nossas caminhadas, nossos passeios, nossas viagens, nossas conversas. Quero pelo menos manter as boas lembranças. O silêncio daquela solidão me acolhe, me assusta ao mesmo tempo, mas acolhe, trazendo esperanças de poder escolher o caminho certo naquelas ruas tão cheias de violência e medo, mas ao mesmo tempo tão vazias.

Mundo cão - Carolina Antunes de Oliveira

Outro dia, andando em uma praça por aí, vi um cachorro, animal que sempre teve meu carinho, por sua lealdade e companheirismo. Fui mexer e brincar com ele, que nem quis saber de mim e continuou seu caminho. E eu me senti do jeito que tenho me sentido pelos últimos dois meses: ignorado. Parece que não me veem mais, desde que levaram meu tio e me trancaram para fora da minha própria casa – ou “cortiço” para aqueles homens - sem uma explicação que entendesse.

O fato é que meu amado Pirulito, que fui obrigado a abandonar um dia que parecia há tanto tempo atrás, me veio à mente. Ah cãozinho, que bons dias que passamos juntos! Como você sempre me olhava para dividir a comida e andava comigo quando eu procurava dinheiro para o tio. 

Na verdade, nunca entendi meu tio muito bem, não falava muito comigo, ficava pouco tempo em casa e fazia o mínimo para eu ficar vivo, mas enquanto eu ajudasse ele, ele me dava casa e comida, o que já estava bom demais. Entendi menos ainda no dia em que levaram ele embora e eu perdi tudo – ainda que não fosse muito – o que tinha. Perdi essas coisas sem nem poder dizer nada.

Depois disso, outras pessoas (até parecia que queriam me ajudar) vieram e me disseram que iam me levar para uma espécie de hospital e eu disse "não estou doente, mas muito obrigada", o que não adiantou nada, uma vez que elas me levaram mesmo assim. Ora, por que é que uma pessoa tem que ir para um lugar que não quer? Por que então, que ela tem que ficar la? Me cansei daquilo e fugi. Prefiro minha liberdade difícil e solitária da rua do que ser obrigado a ficar falando com médicos, enquanto, na verdade, estou muito bem.

Na rua, me ajeito do meu jeito.

Paz Violenta - Ana Eliza Yoshioka

Não conseguia dormir. Não conseguia fechar os olhos e afundar na minha cama. 
Era impossível me concentrar para dormir, quando a ansiedade pelo dia seguinte consumia cada centímetro do meu corpo. 
Em algumas horas, eu estaria me levantando, vestindo meu uniforme de oficial da polícia e partiria para a Rua Helvétia. 
Fiquei relembrando as críticas e pedidos feitos pelas famílias moradoras de lá... “Nós queremos paz! Não se pode viver em paz com um bando de viciados morando na frente da minha casa!”; “O que eu poderia fazer se meu filho se envolvesse nisso? Não consigo dormir sabendo que minha filha pode ser pega ou incentivada a se drogar a qualquer minuto!”; “Nós queremos paz durante o dia, à tarde e à noite.”; “Queremos paz, chega de violência e de perigo!”; “Menos crack, menos violência, mais tranquilidade, mais paz!”.Foi assim durante horas, até o delegado decidir realizar a operação “desocupação” da cracolândia. Enquanto isso acontecia, um homem baixo de terceira idade escrevia em sua parede: “Mais um dia nasceu e com a bondade de Deus estamos vivos”.
Como previsto, na manhã seguinte, me levantei, vesti meu uniforme e fui para a operação. Nos preparamos, pegamos as armas e entramos no cortiço. Fui o líder da operação, comandava cada policial, o que deveriam fazer, quantos dependentes deveriam pegar, para onde levá-los, como levá-los... Eu estava orgulhoso de como cheguei longe! 
Por um momento, algo interrompeu meu momento de glória... Não sei bem o que foi, talvez um grito de uma criança. Olhei em minha volta e tudo estava errado. Crianças gritando, mulheres sendo arrastadas, idosos se batendo contra os policiais, homens arremessando cadeiras, pedras em cima dos oficiais, que pouco se importaram e continuaram puxando todos à força e sem dó nenhuma. Não entendia por que aquela cena me incomodava tanto. Tudo aquilo era em nome da paz!
Por que era tão difícil ter paz? Por que os dependentes nos davam tanto trabalho com tudo? Para tirá-los do seu lugar e tentar tratá-los? Foi quando um breu cinza caiu sobre a minha cabeça. Tudo o que eu conseguia lembrar era a frase estampada na parede: “Paz pra quem quer paz!”.

“Crack” no amor - Diego Suguiyama Ribeiro

Num quartinho simples e aconchegante eu a conheci. Em meio a um emaranhado de juventude e positividade. E o que me resta hoje? Apenas a fria e obscura solidão junto a esses singelos presentes que dei a ela...
Éramos muito felizes, nos encontrávamos todos os dias, nos divertíamos, ríamos e nos amávamos muito. O melhor de tudo é que além de namorados, éramos amigos. Já tínhamos feito até planos para o futuro (casamento, filhos...).
Porém, numa noite de 12 de junho de 2012, dia dos namorados, resolvi trazer algo diferente para nossa relação, algo que nos levaria a sentir prazer, sentir emoção, sentir adrenalina. Uma simples pedrinha que as pessoas apelidavam de “crack”. 
A partir daí, a juventude, positividade e aconchego daquele quarto se transformaram em ódio, desgraça, insegurança, mudança de comportamento. Tudo que antes era perfeito, tornou-se desprezível.
Criaram-se situações de briga e aquele sentimento de amor se transformara em aversão e o que era para ser um “felizes para sempre” acabou se tornando uma manchete de jornal: “Namorado faz homenagem após morte de amada viciada em crack”.
Não deixe “uma pedra” entrar em seu caminho...

Um Olhar do Paraíso - Renata Rampazzo Sousa Lopes da Silva

Não posso deixar de me lembrar do quão boa é minha vida; para mim, pelo menos. Venho pensando nisso há dias. Porque, uma vez ou outra, é comum chegarmos a algum desses momentos críticos em que de repente, tudo é ruim, estressante, irritante, enfim... Até que, no auge de todo o drama, soltamos o clássico “odeio a minha vida”. É. Mas vá com calma, amigo, talvez você mude de ideia, como eu, depois de ver o que vi.

Parecia ser o que sobrara do cômodo de uma casa; paredes destruídas, com buracos, pichadas, tapetes encardidos, lixo no chão, talvez seja gentileza minha dizer que o lugar estava um tanto “desgastado”. Mas não foi isso o que realmente me fez parar para ver melhor. Na parede maior e mais pixada de todas, uma inscrição em destaque; uma frase: “FOI HORRÍVEL” .

Uma série de imagens, de repente foi jogada em minha mente, como projéteis lançados de uma metralhadora. Todas as experiências horríveis que podem ter levado alguém a praticamente imortalizar uma representação de suas vivências, impressas num pedaço de parede condenado.

De súbito, me senti inclinada a (pelo menos tentar) entender a razão daquela confissão, aparentemente tão desesperada. Angústia e tristeza me consumiram ao visitar os quadros dramáticos e obscuros para onde me levava a imaginação dos fatos.

O grande cenário de tudo isso? Cracolândia. E os protagonistas? Viciados. E não, não pense que me refiro a eles com algum preconceito, porque é esse o seu atual estado, o da dependência.

Então, após uma rápida comparação de estilos de vida, já se é possível imaginar a que conclusão cheguei...

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